quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Amanhã Será Primavera.


Ele sentia nos últimos dias os ventos da mudança. Após um longo inverno, eis que a vida se preparava para aflorar sua liberdade mais uma vez. Tinha passado por grandes tormentas, numa nau que afundara e consigo tinha sugado todo espontâneo e vivo que sabia ser, que se deixou fazer.

Com a morte prematura do que acreditava ser um pouco mais eterno, ele se viu só e disperso num mundo sem cor. Mudo, com tessitura nula. Talvez cinza, um cinza opaco e frio. Aceitou. Após realizar tudo o que seria humanamente possível, se resignou e compareceu ao velório, chorou no enterro e, por fim, guardou o seu luto.

Mas os ventos não paravam e, embora viver no passado fosse seu hábito-defeito mais constante, necessitava cantar, sem mais silêncios, apenas sons. Cálidos acordes o esperavam, era só se permitir. Sempre.

Precisava de sua transmutação. Do seu casulo, ele reconstruía sua armadura martelada a martelada. Podia se ver erguido em suas falsas faces, cuidadosamente pintadas de fora pra dentro.  Pois, se o contrário não tinha resolvido,  era possível que um dia ele se convencesse de sua própria falsa mentira em forma de carapaça.

Eis que nos dias que antecediam ao equinócio, ele pôde sentir os resultados cada vez mais claros do que se havia proposto como meta basal.

 É evidente que antes ele já estava melhor. Todo o amor, todo o rancor, toda a dor, enfim estava se confinando em seu devido lugar e o que via diante de si era uma coisa que não lhe transmitia mais a mesma afeição. Ousaria dizer que começava a criar bolor (e como foi rápido para os seus padrões – talvez as dores profundas de verdade, mereçam esse tratamento. Não se apaixonara, amara, e sabia disso), a ficar com o ranço do que não lhe é mais útil. Assim como lhe foi imposto, finalmente começara a retribuir. Um sentimento de não dizer nada. De não ser mais nada. Apenas um arquétipo do que já havia moldado.

Agora preferia pensar que tinha cumprido um ciclo, que tinha aprendido e ensinado na medida necessária e que tinha posto algo mais qualificado para o mundo.

Voltando ao pré-equinócio... Estava completamente interessado pelo que via despontar no horizonte como opções para afastar de sua mente possíveis deslizes,  quando chegou o convite ao erudito. Numa atitude impensada chamou antigos amigos para compartilhar, mas não cabia.  Este era o momento de se abrir para o novo. Decidiu rapidamente voltar à vida, e numa simples noite seu cotidiano se banhou de luzes e tons.

Não tinha mais volta, algo havia quebrado para libertar o que há algum tempo se condensava em diálogos. Estava enthorpecido pela musica, pelo preciosismo do trabalho, pelas mesas compartilhadas, conversas repartidas.

As surpresas não paravam. Na sua caça foi de encontro ao inesperado. Não podia não se permitir. Um fim de semana ensurdecedor, cortante, revigorante. Suas penas trocando, seu bico sendo arrancado para dar lugar a outro. Uma morte para o resurgimento da lendária Phoenix. Nos dias mais intensos dos últimos momentos, se deu conta que a natureza fazia sua parte: eis que as flores viriam pelo caminho, a estação da renovação devastando toda a neve suja que se acumulava nos meses que a precederam.

Um fim de semana, uma semana, era novamente vivo. Pôde ajudar e nem poderia dizer o quanto foi resgatado. Estava completamente encantado, rendido às surpresas do viver

Que importava se era só mais um número? O 395 da letra “R” do segundo tomo?! Era o seu número, um número no mundo. E são tantas terras para percorrer... Tantos caminhos e curvas para se deliciar...

O acaso o pegou de sobressalto e não havia como recusar o seu convite. As pessoas se cruzam quando devem, daí surgem os grandes encontros, as amizades mais inesperadas (com seus sacros segredos velados), as relações mais intensas, as sutilezas do porvir.

A vida seguiu e, embora soubesse se fazer imprescindível, simplesmente se perdeu na multidão de tantas pessoas especiais.

A primavera chegou.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ontem

Ontem perguntaram por você. Num lugar comum, num lanche de última hora. O engraçado é que foi difícil me reconhecer... "Quem é? Não lembro não... Espera... Caprese... Ah, lembro, lembro sim...Se você não falasse comigo eu não iria saber... Como você mudou!..." Então num momento breve "Onde está o outro?" - Deve tá na aula. Como se ainda fosse comum o saber do outro. Deve estar na vida - talvez uma boa resposta, mas me contentei com a aula. Era uma quarta-feira no final da tarde. Uma aula deve cair bem. Très bien!

Fazia tempo que não ia por lá. Percebi numa simples conversa. E o sabor do meu lanche estava... igual. O de sempre. Em outros invernos mas no mesmo padrão. Interessante!